segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Acostumando-se à liberdade

"Acabo de descobrir que sou o último homem da face da terra. Estive escondido e protegido num abrigo nuclear nos últimos 12 anos e o último contato que tive com alguém de minha espécie foi há 16 anos, na ocasião da morte da minha esposa. Desde então, o mundo pareceu-me demasiado hostil e eu resolvi proteger-me.
Descobri ser o último porque acabaram meus suprimentos e tive de sair para comprar água. Para minha surpresa, não havia ninguém para não dirigir palavra alguma. Ao contrário, só cadáveres putrefatos e odor de carniça.
(...)
Acabo de me dar conta do quão feliz estou. Estou livre. Pelo menos, livre de todos ao meu redor. Posso entrar em qualquer lugar e usar o que quiser usar. Comer o que quiser comer. Não preciso de dinheiro, nem armas, nem qualquer outra coisa que possa envolver um novo personagem.
(...)
Ou talvez, eu ainda esteja preso. A ausência total dos outros me dá a sensação de que eu fui o único ainda não liberto. Estou preso a esta realidade, a esta matéria, a este odor, a estes cadáveres.
Eu estava preso a um abrigo antes. Agora descubro que estou preso a mim mesmo.
(...)
Portanto, decido tirar minha própria vida. A quem achar esta carta, deixo o mundo e a ausência dele.
Faça bom proveito.

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